Bernardo era um menino de uma cidade minúscula, e, como tantos outros meninos de cidades minúsculas, desde muito cedo os pais de Bernardo confiavam ao filho algumas moedas para comprar leite e pão na venda, deixavam que ele fosse de bicicleta quando tinha circo ou um pequeno parque e davam liberdade para as brincadeiras de rua que, às vezes, não era bete.
A única proibição que Bernardo tinha era que ele não poderia, de forma alguma, ir para o outro lado de um grande muro de pedras que tinha na cidade. Um muro tão alto que seria necessária muita força de vontade para pular e, tão longo que várias vezes Bernardo e seus amigos tentaram encontrar o fim do muro sem sucesso.
Muitas eram as histórias sobre o que havia atrás do muro, pois, apesar de proibido, ninguém sabia responder ao certo o que, de fato, tinha lá. As hipóteses eram muitas e iam desde uma prisão para demônios que, de tão maus, não conseguiram ficar no inferno, até um buraco negro que sugava a alma dos mentirosos.
Mas uma coisa era certeza: os corajosos (ou estúpidos) que iam para o outro lado do muro nunca mais voltavam.
O problema era que Bernardo era um menino muito curioso e a liberdade que seus pais haviam lhe dado desde muito cedo, fez com que essa curiosidade se aflorasce ainda mais.
E se atrás do muro tivesse algo muito, muito bom? Talvez fosse por isso que ninguém voltasse!
Um dia, depois da aula, Bernardo estava brincando na rua com seus amigos quando Paulinho, o menino mais rico da cidade, filho do dono do mercadinho, de quem havia ganhado uma linda bicicleta nova, amarela, igualzinha à da televisão, chegou contando vantagem com sua bicicleta:
- Olhem minha bicicleta nova! Nenhum de vocês tem uma igual!
Eu vou para qualquer lugar com ela!
- Pois eu duvido que você vá para o outro lado do muro! -disse
Jorginho, filho do Seu Jorge, o jardineiro. Todos riram.
Paulinho fechou a cara torcendo o nariz. Por essa ele não esperava. Olhou para a bicicleta novinha. Rapidamente lhe veio uma ideia para se sair bem daquela:
- Pois se alguém for para o outro lado do muro, irá
ganhar a minha bicicleta novinha!
Bernardo olhou. Aquela era sua chance! Veria o que tinha do outro lado do muro e ainda ganharia uma bicicleta nova! Seus pais não poderiam brigar com ele por ter subido no muro se o motivo fosse nobre.
- Eu vou! -falou Bernardo.
Todos os garotos arregalaram os olhos espantados. Paulinho inclusive, pois não acreditava que alguém fosse aceitar o desafio. Bernardo levantou-se e, com a expressão mais corajosa que conseguiu, foi andando até o muro. E, como todo garoto audaz de cidade minúscula, ele colocou seus dedinhos entre as pedras e começou a escalar o muro gigantesco.
Lá embaixo o tumulto era geral. Enquanto alguns incentivavam-o com "Você vai conseguir, Bernardo!" outros, mais responsáveis, gritavam "Desce daí, Bernardo!" e, claro, o grupo de Paulinho gritava "Você logo vai cair, Bernardo!"
Mas Bernardo continuava sua escalada, seus dedinhos doendo, e sua sandália muitas vezes escorregando nos pequenos vãos das pedras do muro. Mas ele continuou... Continuou... Continuou... Até que chegou ao topo!
Bernardo colocou o braço em cima do muro e se apoiou. Quando seus olhos alcançaram o outro lado do muro, ele viu algo que nunca, em toda a sua vida, esperava ver. Ele abriu a boca espantado. Mas seus braços e pernas estavam cansados da escalada, e, talvez com a emoção da surpresa, acabaram cedendo de vez e ele caiu todo o tamanho do muro.
Cinco dias depois, Bernardo acordou em uma cama de hospital. Aos poucos suas lembranças foram aparecendo, e, assim como todas as outras, veio também a visão do outro lado do muro. Seus pais chegaram e o abraçaram forte quando viram que o filho estava bem e inteiro e, depois de toda a emoção, perguntaram finalmente:
- E então, Bernardo, o que tem do outro lado do muro?
Bernardo sorriu por finalmente poder matar a curiosidade de todo mundo. Abriu a boca para falar... Mas tinha ficado mudo.